Dá que pensar. Ao longo do seu percurso, apesar de tudo o que construiu e de tudo o que destruiu, a humanidade ainda não conseguiu deixar de praticar a guerra, aquele monstro sanguinário que tudo destrói e de sangue se alimenta, como escreveu há quatro séculos o Padre António Vieira.
Com o pretexto da religião ou da civilização, ou porque sim ou porque não, mas sempre por causa de interesses económicos mais prementes ou mais ligeiros, repetidamente o bicho homem se dispõe a matar os semelhantes, depois de riscar fronteiras e de colocar bandeiras, olvidando que em exclusivo só há duas nações: a dos vivos e a dos mortos, como bem ensina Mia Couto.
Vive quotidianamente na Paz enquanto intervalo que ela é da Guerra sempre à espreita e pronta para o seu horroroso despertar. Não consegue romper o infernal círculo por mais perigoso que ele se apresente. Entrega-se a líderes destemperados e estúpidos em vez de escolher entre si os melhores, os mais aptos para as lideranças efetivas e inteligentes.
Com isso o mais evoluído ser vivo, dizem, não consegue aprender com os simples animais reputados como de irracionais, mas que nunca entregam o mando da manada ao congénere menos capaz, ao mais fraco, por mais que ele faça figuras de muita prosápia e de muito peito feito. Entre eles, quem não der provas, não prova o agridoce sabor do poder e do comandar.
Nós por cá no nosso canto dourado comparado com os outros que são o inferno na terra, um paraíso onde não faltam demónios disfarçados de anjos redentores, desde há oitenta anos, íamos tendo a guerra como algo de lá ao longe, dos outros, filhos de desuses menores sem opção e sem condição, sossegados na nossa sociedade do bem-estar e do bem se estar.
Isto até que num repente que não foi assim tão de repente porque se vinha anunciando e adivinhando mesmo sem dons de adivinho, a guerra bate-nos à porta ainda não em todo o seu horror, mas com tudo o que nos pode fazer nascer o temor. As bombas caiem na Ucrânia solo fria com gente de coração quente, ciente do que é seu e do que quer, patriota como todo o cidadão o é quando sabe e sente a terra que o viu nascer.
Um frio calculista e louco suficiente para soltar todas as feras em todas as esferas, ordenou que se desengatilhassem e armas, que os aviões voassem e as armas da morte se soltassem e rebentassem. Ciente do seu poder, mandou bater e abater. Impõe que os outros que se não conhecem e se não odeiam, se guerreiem e se matem, em nome de quem se conhece, se odeia, mas se não mata.
A morte saiu à rua que é já ali para o seu fim, e nós, cá no canto ocidental estamos em vias de perder a inocência. Começamos a sentir e a saber que afinal o mundo é mesmo uma aldeia global. Tomamos consciência de que o bater de asas de uma borboleta perto dos Urais, pode desencadear tempestades globais. Que pode causar mossa e que pode destruir lírios nos nossos campos. Que pode incendiar as florestas onde se acoitam os nossos medos. Que pode acabar com os nossos segredos.
Dizem as pessoas de boa vontade, que a paz está no coração de todos os homens, e a gente sente e acredita. O problema, é que ela é contrariada pela conta bancária de alguns. Haja a esperança de que um dia, a Educação permita que o se humano alcance outra altura, outra Cultura. Só assim será melhor e diferente.
Mas agora que sentimos que alguma coisa perdemos, porque não podemos pedir ao tempo que nos dê mais tempo, devemos mandar a quem manda que mande parar o espalhar do horror e da morte, pois a guerra também é nossa e é já ali.
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