Opinião

O NOSSO “SACRIFÍCIO”

Francisco Gouveia, Eng.º

(Quanto e até quando estaremos dispostos a sacrificar-nos para que Putin seja derrotado?)

Chegados aqui, não há meio termo. Estamos numa guerra onde só há duas trincheiras: a dos que apoiam a Ucrânia e a dos que apoiam Putin.

Putin já demonstrou, depois da cimeira na Turquia que, definitivamente, não quer negociar. Quer arrasar a Ucrânia, obrigar à saída do maior número de ucranianos, destruir-lhe o exército e a hierarquia governamental de Kiev, eliminar opositores e anexar a Ucrânia. Toda.

Lembremos, contudo, que já há muito tempo que houve alertas sobre as intenções de Putin. Mário Soares, já em 2008 tinha alertado para o perigo da NATO se estar a aproximar demais da Rússia e a cercá-la. Porque uma coisa era a integração na União Europeia (e sobre isto criticava severamente a Suécia e a Finlândia por não aderirem), outra era a inclusão de certos países de fronteira com a Rússia, na NATO. A mesma tese foi desenvolvida, anos mais tarde, em 2015, por Vasco Pulido Valente, alertando para este facto, mas acrescentando que Putin era um tirano sem escrúpulos do qual tudo se poderia esperar, e que a Europa estava a desinvestir na sua segurança externa, menosprezando a componente militar, numa altura em que Rússia e China se armavam até aos dentes.

Afinal, ambos tinham razão. Mas estes dois documentos constituem também um sério libelo acusatório histórico sobre a falta de qualidade e carisma dos líderes europeus que então governavam a Europa, que se entretinham com ninharias e lateralidades, e não atendiam ao essencial. Infelizmente, hoje em dia, esta falta de qualidade mantém-se.

Qualquer observador atento e minimamente avisado, não poderá dizer que desconhecia que algo se estava a preparar na Rússia. Não se contava é que fosse agora, com esta violência e desrespeitando todos os tratados internacionais.

Mas depois dos EUA terem debandado do Afeganistão daquela forma, e perante uma Europa desprovida de sentido crítico perante o seu aliado americano, Putin percebeu que a altura se aproximava. Bastava somente ter o aval de um aliado poderoso. E obteve-o, da China, também ela interessada em resolver a questão de Taiwan e em arranjar um aliado de peso antiocidental.

Porque ninguém julgue que Putin se atreveria a semelhante barbárie se não tivesse as costas quentes.

Seja como for, e chegados aqui, como disse, o que não se fez e se devia ter feito é passado, e há que tratar do presente. E para se evitar um conflito mundial de escala inimaginável, só, de facto, o apertar de sanções, em tudo o que possa obrigar a que Putin recue. E se não recuar, que sejam os russos a ver-se livre dele. Mas vai ser uma luta dura e longa, pois a China não o abandonará.

E a questão que se coloca aos europeus, e ao resto do mundo ocidental, é quanto e até quando estaremos dispostos a pagar para que Putin seja derrotado e a China sossegue. Porque tenhamos uma certeza: já estamos envolvidos numa guerra.

Só que a nossa guerra ainda não nos obriga a pegar em armas. Mas obriga-nos a sacrifícios. Sacrifícios que, se comparados com os que os ucranianos sofrem neste momento, não são nada.

O panorama previsível é mau. Péssimo.

O preço de tudo vai disparar, é possível que faltem muitos bens, talvez tenhamos que racionar a electricidade, talvez tenhamos que racionar a água e os bens alimentares, talvez não possamos andar de automóvel, talvez nos cortem nas reformas, nos salários, talvez o aumento do desemprego seja assustador, talvez sejamos obrigados a mudar radicalmente o nosso dia a dia.

E, se tal acontecer, teremos de ser solidários uns com os outros, individual, social e politicamente, de modo que todos possamos ultrapassar este obstáculo com o mínimo de danos.

Mas, garanto-vos, tudo isto é preferível a que caiam bombas sobre as nossas cidades.

Infelizmente, o primeiro mártir deste século, já é o povo ucraniano.

O sacrifício que poderemos ter de suportar não se pode comparar à tragédia ucraniana.

Há dias, ao falar com um amigo mais velho, que viveu a guerra por dentro nas picadas de Angola, disse-me assim:

– Olha: eu até posso comer só boroa seca todos os dias e beber água da fonte, não ter rádio nem televisão, alumiar-me à luz da vela, desde que possa sair à rua e olhar o céu descansado, sem ter medo de que uma bomba me caia em cima.

Tomei nota.

gouveiafrancisco@hotmail.com

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