Opinião

O “dolce far niente” palavroso

(in Economia ao minuto 2021.09.10)

“A presença no mundo do vinho do Porto espelha o apoio à internacionalização dos agentes económicos do setor, numa lógica de valorização transversal, com preocupação pela sustentabilidade económica, social, cultural e ambiental do território duriense, que faz parte da estratégia de atuação do IVDP para o desenvolvimento económico e crescimento sustentado”, afirmou hoje o presidente do instituto público, Gilberto Igrejas, citado em comunicado.

Na sexta-feira, o “Port Wine Day” assinala a criação da mais antiga região demarcada do mundo – o Douro – a 10 de setembro de 1756, pela mão do Marquês de Pombal.

O dia quer destacar a “importância económica e social que o Vinho do Porto assume para o país”, seja no que “respeita ao crescimento económico com a forte penetração do vinho em mercados externos e o peso que tem nas exportações” ou “no desenvolvimento do país e de uma região património da Humanidade, que enfrenta desafios sérios de desertificação, alterações climáticas e que ainda não vê o preço do vinho representar o seu real valor”. (sublinhado nosso)

Realmente?

“A presença no mundo do vinho do Porto espelha o apoio à internacionalização dos agentes económicos do setor”.

A acção desta frase é-nos transmitida pelo verbo “espelhar”. Seja por refletir, seja por mostrar, seja por retratar ou revelar, fica no entanto a dúvida: será que foram os agentes económicos que, apoiando a internacionalização, tornaram o vinho do Porto presente em todos o mundo? Ou será que a presença do vinho do Porto em todo o mundo se fica a dever ao apoio à internacionalização concedido aos agentes económicos? E, neste último caso, quem teria concedido esse apoio à internacionalização?

Uma vez que, na sequência da frase, é realçada a “estratégia de atuação do IVDP”, poderemos inferir, com enorme probabilidade de acerto, que se trata dum “espelho” côncavo, narcisista, daqueles que só nos deixa ver a nossa própria imagem, escondendo completamente o resto da realidade. Com efeito e seja qual for a resposta às questões alternativas colocadas no parágrafo anterior, na realidade o “apoio à internacionalização dos agentes económicos do sector” é exclusivamente pago pelos próprios agentes, através de taxas que o IVDP lhes cobra!

“numa lógica de valorização transversal”

Abaixo acederemos aos números, mas a contradição desta frase com a produzida pela mesma pessoa (“o maior problema da região vitivinícola tem que ver com os preços praticados ao nível da produção, da compra do produto ao viticultor”) é tão gritante que não carece dos nossos comentários! Ele próprio os fez!

“com preocupação pela sustentabilidade económica, social, cultural e ambiental do território duriense, que faz parte da estratégia de para o desenvolvimento económico e crescimento sustentado”

Regista-se a preocupação e, simultaneamente, a incapacidade!

Por fim ainda aquele “ainda” que sublinhamos, pois mais uma vez configura a denominada “gestão de expectativas”; o preço das uvas não cobre o seu custo da sua produção AINDA, como que prometendo que, com a “atuação do IVDP”, o preço do vinho irá representar o seu valor real.

Não fossem estas frases proferidas pelo Presidente do IVDP e pensaríamos estar a assistir a uma tragicomédia, em que situações reais trágicas são ridicularizadas, aqui, pelo próprio actor.

Olhemos para os números dos últimos 15 anos:

Boa! No primeiro semestre de 2021 a comercialização de Vinho do Porto foi superior à de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, mas, infelizmente, inferior à realizada em todos os restantes anos.

Já o valor da comercialização do primeiro semestre de 2021, à excepção de 2007, superou todos os restantes:

E para demonstrar a “lógica de valorização transversal” (?), juntemos um quadro comparativo dos preços médios de comercialização, dos primeiros semestres daqueles anos, com os pagos aos viticultores, no mesmo período, relativos à vindima anterior:

Como se constata, enquanto o preço de aquisição aos viticultores se mantêm praticamente estável ao longo de todo este período, já o comércio vem conseguindo incrementar o seu preço de venda de forma sustentada. Veja-se a constactação de João Paulo Martins (in Expresso 2021.09.03) relativa ao futuro do Douro: “Falo da qualidade, já que o preço, a ver pelo escândalo que se passa no Douro com as uvas DOC Douro a serem pagas a preços que nem a vindima pagam, o preço, dizia, vai de novo ser baixo e ofensivo para quem trabalha a terra”.

Assim, será necessário exigir do delegado do Governo, para gestão da política vitivinícola da Região Demarcada do Douro, explicações que comprovem que a “estratégia de atuação do IVDP” está, “numa lógica de valorização transversal, com preocupação pela sustentabilidade económica, social, cultural e ambiental do território duriense”, a promover “o desenvolvimento económico e crescimento sustentado” daquela região.

Arlindo Castro
13 de Setembro de 2021

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