O Estado também se aproveita das fraudes nos serviços públicos essenciais?
Um exemplo da vida real: três (3) chamadas tentadas para um outro destino europeu, no caso a Bélgica, não conseguidas, de todo não efetuadas, nem sequer uma ínfima fração de segundo para a caixa de mensagens: por conseguinte, sem a prestação de serviços não haverá preço; não vendeu, não prestou, não faturou nem cobrou.
Ao invés, da operadora – e de imediato – expede uma mensagem a prevenir o consumidor da factoração de 0, 19 €, por chamada, mais IVA… porque, explicação rotineira, “fora do pacote contratado”!
Contas feitas, a empresa de comunicações arrecadará 0,57€ (cinquenta e sete cêntimos, mais de meio euro) nesta singela operação em que não prestou qualquer serviço, mas ainda assim fatura porque os mecanismos instalados permitem, contra a legalidade vigente, fazê-lo.
Extrapolação para o universo de consumidores da principal empresa de comunicações eletrónica: Se, por sinal, esta “gracinha” ocorrer, por mês, ao longo de um só ano, ao universo de consumidores que a MEO detém (cinco milhões de consumidores, ao que se afirma), os proveitos ilícitos daí provenientes computar-se-ão em (5 000 000 x 0,57 €) 34 200 000€ (mais de trinta e quatro milhões de euros). A que acresce, como a empresa o previne, sempre que tal ocorra, o imposto sobre valor acrescentado.
E em quanto montará o IVA neste exemplo (32 400 000 € x 0,23 %)?
O cálculo não o desmente: 7 866 000€ (cerca de sete milhões e novecentos mil euros).
O Estado beneficiaria, pois, na circunstância e no quadro do exemplo oferecido, de um montante da ordem dos 7 866 000€ (sete milhões e oitocentos e sessenta e seis mil euros) por serviços não prestados e, por conseguinte, insuscetíveis de tributação…
Se os consumidores não reagirem a estas expostulações com base em somas ínfimas da moeda corrente que, acumuladas, atingem proporções inimagináveis, de tostão em tostão enriquecem desmesuradamente os operadores que no mercado se socorrem destes expedientes para se “encherem”…
Mas o Estado não fica de fora desta saborosa partilha de meios ilícitos que afetam consideravelmente a comunidade de consumidores.
A recente decisão do Supremo Tribunal de Justiça (acórdão de 02 de Fevereiro de 2022 com a chancela de Clara Sottomayor, conselheira-relatora) que condenou a Vodafone, S.A., a restituir aos consumidores montantes faturados e cobrados com base em cláusulas ilícitas ínsitas nos contratos a que aderiram (ativação automática de serviços não solicitados) permite entrever que, nos últimos 4 anos, os proveitos injustamente arrecadados ultrapassem os 4 000 000 000 € (quatro mil milhões de euros). Montantes que terão de ser restituídos aos consumidores. Em dados termos, decerto!
Os lucros daí advenientes para o Estado atingiram, ao que se julga, cerca de 1 000 000 000 € (mil milhões de euros), montante, aliás, nada desprezível para os cobres públicos.
Estes exemplos permitem, sem mais, concluir que ao Estado, ainda que de serviços públicos essenciais se trate (serviços de interesse económico geral) interessa deveras a conduta ilícita das empresas e a razia que fazem sobre os consumidores porque o Estado não fica só à espreita:
“Tão ladrão é quem vai à horta como quem fica à porta”!
Não, o Estado, sem sequer ficar de atalaia, beneficia diretamente de todas estas atividades ilícitas, assentes ou não em cláusulas proibidas (e, por conseguinte, nulas) constantes, como no caso, de contratos prontos-a-assinar (contratos de adesão) em que os consumidores não podem molda-las a seu bel talante porque sem hipóteses de interferir na configuração do seu próprio conteúdo!
Fique a constatação!
Fica a observação!
Mário Frota
Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – Coimbra