Cartão de corrupção?
Não há máfia nem crimes de sangue! É o negociozinho!

Verdadeiramente o que é a Autorização de Produção de Mosto Generoso (vulgo cartão de benefício)?
Toda a vinha duriense está cadastrada e classificada por letra (A a I), segundo um critério, legalmente fixado, quanto à sua aptidão para a produção do Vinho do Porto.
Em função das previsões de vendas e das existências de Vinho do Porto no sector, anualmente é estabelecido, no Comunicado da Vindima, a quantidade de mosto generoso a produzir; este método tem em vista assegurar o equilíbrio entre a oferta e a procura, evitando a ocorrência de excedentes ou de falhas no mercado.
Ainda no comunicado da vindima é fixado, tendo em linha de conta aquele quantitativo total a produzir e as áreas de vinha por letra, a quantidade de mosto generoso por hectare, letra a letra, a ser produzido.
A APMG é assim um documento, emitido pelo IVDP e dirigido a cada viticultor, autorizando-o a usar determinada quantidade de litros da sua própria colheita para a produção de Vinho Generoso ou do Porto.
Como se pode (e deve) depreender desta breve exposição, esta solução tem como único objectivo assegurar que são especificamente aquelas uvas, que o cadastro entendeu serem as melhores para aquele fim, as usadas na produção do Vinho do Porto.
Infelizmente, porém e por diversos motivos, a realidade pode ser diversa.
Pelo lado dos detentores da APMG:
– podem não ter uvas;
– ou tendo-as, podem ter um destino diferente para o seu uso.
Pelos que precisam das APMG:
– podem ter uvas sem essa autorização;
– podem adquirir uvas e, com essa autorização, produzir o Vinho do Porto.
Sem falar nos intermediários que, a ambas as partes, podem servir.
Na falta duma fiscalização efectiva, todas estas situações podem acontecer e, por motivos óbvios, ninguém se queixa. É o negociozinho!
Assim e na prática, a APMG (cartão de benefício) autonomiza-se das uvas que deram origem à sua emissão!
Sim, é verdade, na medida em que são uma receita para alguém, obrigatoriamente que possui vinha no Douro, constitui-se num rendimento da região.
Mas paga, finalmente, o quê? O silêncio do seu uso!
Com efeito, quem o vende não pode denunciar que o vendeu sem uvas (cabe aqui uma honrosa excepção ao Miguel Champalimaud que, em tempos, publicamente o afirmou!), e quem o compra, sob pena de ver o vinho, assim produzido, apreendido, também não o denuncia.
Como o negócio existirá e ninguém o denuncia, falamos dum mercado paralelo em que o silêncio é lei.
Não, nem tanto. Não há máfia nem crimes de sangue! É o negociozinho!
Mas, existirá crime, pois tanto quem vende como quem compra presta falsas informações ao IVDP e são gerados “fundos” cujo destino é, aparentemente, desconhecido, obrigatoriamente.
Uma vez que o destino final, tanto do cartão como das uvas, ou do vinho por elas produzido, é o comércio de Vinho do Porto, não seria difícil ao IVDP, assim o quisesse, apurar essas irregularidades e punir os infractores.
Como tal, que se saiba, não acontece, é possível também que a regra do silêncio abranja as autoridades fiscalizadoras.
É evidente que a justificação, transversal ao serviço público, é a da falta de meios…
Mas também não é verdade que todos os anos o IVDP entrega o saldo de gerência ao Estado? Então já não será por falta de meios…
Será então que a regra do silêncio também é imposta ao próprio Governo?
Nesta cadeia de silêncios duvidosos não poderá haver corrupção? E, se sim, desde onde e até onde? E se o sistema é desvirtuado e defraudado, não está ou foi corrompido?
Arlindo Castro Dr.
26.Jul.2022