Opinião

O rótulo de um bom Porto, que se diz com uns “dez anos”  c o n t a d o s  de modo torto, está prenhe de vis enganos…

Indagava há tempos um jornalista: “se um vinho do Porto tiver menos de cinco anos de idade, mas for vendido em garrafas com a categoria “Tawny 10 anos”, dando ao consumidor a percepção que o vinho envelheceu ‘madura’, ‘pacientemente’ durante 10 anos, tal pode ser considerado como  violação à legislação de defesa do consumidor em Portugal e/ou na União Europeia?”

Procurando munir-nos do arsenal legislativo de base, eis o que se nos deparou:

O Regulamento n.º 242/2010, de 26 de Fevereiro (jornal oficial de 15 de Março de 2010) emanado do Instituto do Vinho do Porto, prescreve no seu artigo 26, sob a epígrafe “Vinho do Porto com Indicação de Idade”:

“1 — Vinho do Porto com características organolépticas de elevada qualidade, obtido por lotação de vinhos de diversos anos que estagiaram em madeira, de forma a conseguir-se complementaridade de características organolépticas e reconhecido pelo IVDP, IP com direito ao uso da designação nos termos dos números seguintes.

2 — A idade mencionada no rótulo exprime o carácter do vinho no que respeita às características organolépticas conferidas pelo envelhecimento em casco, correspondentes à idade indicada.

3 — Para obter a aprovação de vinho do Porto com indicação de idade devem ser entregues no IVDP, IP quatro garrafas do vinho a apreciar, representativas do lote efectivamente constituído.

4 — As indicações de idade permitidas são:

a) 10 anos de idade;

b) 20 anos de idade;

c) 30 anos de idade;

d) Mais de 40 anos de idade ou 40 anos de idade quando o vinho tenha como destino os EUA.

… .”

Desde que se respeite as “características organolépticas” (de aroma e cor)de vinhos com uma tal idade…” pode-se atribuir, ao que parece, a um vinho a idade que ‘aparenta ter’, mas de todo não tem, de acordo com o invocado Regulamento.

O Regulamento (CE) n.° 178/2002, do Parlamento Europeu…, de 28 de Janeiro de 2002, prescreve, porém, no n.º 1 seu artigo 8.º, o que segue:

“A legislação alimentar tem como objectivo a protecção dos interesses dos consumidores e fornecer-lhes uma base para que façam escolhas com conhecimento de causa em relação aos géneros alimentícios que consomem. Visa prevenir:

  • práticas fraudulentas ou enganosas;
  • a adulteração de géneros alimentícios;
  • quaisquer outras práticas que possam induzir em erro o consumidor.

Já o Regulamento (UE) n.º 1169/2011, do Parlamento Europeu…, de 25 de Outubro de 2011, sob a epígrafe “informação aos consumidores”, prescreve, entre outros, no seu artigo 7.º:

 “A informação sobre os géneros alimentícios não deve induzir em erro, em especial (n.º 1):

  • No que respeita às características do género alimentício e, nomeadamente, no que se refere à sua natureza, identidade, propriedades, composição, quantidade, durabilidade, país de origem ou local de proveniência, método de fabrico ou de produção;
  • Atribuindo ao género alimentício efeitos ou propriedades que não possua;
  • Sugerindo ao consumidor, através da aparência, da descrição ou de imagens, a presença de um determinado género alimentício ou de um ingrediente, quando, na realidade, um componente natural ou um ingrediente normalmente utilizado nesse género alimentício foram substituídos por um componente ou por um ingrediente diferentes.

A informação sobre os géneros alimentícios, diz-se no número subsequente, deve ser exacta, clara e facilmente compreensível para o consumidor.

No que se prende, porém, com a legislação nacional, fundada ou não nos textos aprovados em Bruxelas:

Tanto da Constituição da República, nos n.ºs 1 e 2 do seu artigo 60 (qualidade dos produtos, protecção dos interesses económicos e publicidade),

Quanto da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor,  nos n.ºs 1 dos seus artigos 8.º e 9.º (informação e transparência e lealdade nas relações de consumo),

Como do Código de Publicidade, nos seus art.ºs 10.º e 11.º (princípio da veracidade e  publicidade susceptível de induzir em erro o consumidor),

E ainda, de resto, da Lei das Práticas Comerciais Desleais (art.ºs 7.º e 9.º) ao inibir procedimentos que assentem em  informações falaciosas que induzam ou sejam susceptíveis de induzir em erro o consumidor e o conduzam a decisão de transacção que de outro modo não tomaria),

se retira categoricamente que o que se oferece ao consumidor, designadamente na rotulagem, é susceptível de configurar crassa violação do arsenal legislativo a que cabe a inflicção de coimas e mais sanções.

Para haver, porém, adequação com o direito que entre nós vigora, impõe-se imperativamente a substituição dos rótulos apostos por outros que exprimam a realidade e sem que se intente defraudar os consumidores.

Mário Frota

Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – Portugal

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