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MUMBO-JUMBO ?

Por ocasião das comemorações do 20º aniversário da consideração do Alto Douro Vinhateiro como Património Mundial pela UNESCO, como uma paisagem cultural evolutiva e viva, diversos órgãos de comunicação social dedicaram alguma atenção à Região Demarcada do Douro. Analisemos oito depoimentos.

Do OBSERVADOR, sob o título “Alertas para a sustentabilidade do Douro nos 20 anos do Património Mundial”, (https://observador.pt/2021/12/09/alertas-para-a-sustentabilidade-do-douro-nos-20-anos-do-patrimonio-mundial/), retiramos cinco:

João Rebelo, investigador do departamento de Economia, Sociologia e Gestão da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), afirmou à agência Lusa que o “primeiro grande desafio” do Douro passa pela “criação e distribuição de valor”, e que isso implica vender os vinhos a um “preço muito superior” ao que vende atualmente, e “políticas redistributivas pela cadeia do valor”. A criação e distribuição de valor acrescentado é a “questão-chave” para, na sua opinião, evitar o desaparecimento de pequenos, mas principalmente médios produtores. Para o investigador, outro “vetor importante” passa por “políticas demográficas que retenham população em idade ativa”, designadamente “uma política concertada de imigração”. “A demografia é um problema complicado porque, de facto, o custo da mão de obra tem um cada vez maior peso nos custos de produção e com as últimas subidas dificilmente as explorações são rentáveis”, frisou.

A produtora de vinho Laura Regueiro, da Quinta da Casa Amarela, apontou também uma preocupação com a sustentabilidade deste território que é classificado, “mas não é um museu”. “A região, sob o ponto de vista socioeconómico, tem que criar condições que façam com que as populações que aqui vivem e que aqui estão continuem aqui a querer estar e continuem a querer aqui viver”, salientou a empresária. O caminho passa, defendeu, pela “valorização do produto” e, por exemplo, “pagando melhor” a “qualidade da uva” que os pequenos viticultores entregam. “Temos de saber valorizar o produto que temos, seja ele vinho, seja ele produto em termos de restauração, hotelaria, enoturismo, em todas as valências que o Douro oferece e sempre com uma preocupação que é a qualidade”, afirmou.

Também Fernando Bianchi de Aguiar, que coordenou o processo de inscrição do ADV na lista do Património Mundial da UNESCO, defendeu ser necessária “uma melhor repartição da riqueza” para que os pequenos produtores não abandonem as suas parcelas. “A paisagem só se mantém porque há uma atividade que vive dela”, afirmou. Na sua opinião, as atividades económicas, que são “o principal garante da sustentabilidade desta paisagem”, são os vinhos (Porto e Douro), o azeite e a amêndoa. E, nestas duas décadas, disse, “houve um decréscimo acentuado” na quantidade de vinho do Porto comercializado, que passou dos cerca de 95 milhões de litros para os 70 milhões de litros.

No dia em que foi apresentado o programa das comemorações dos 20 anos do ADV, a 16 de novembro, o presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), Gilberto Igrejas, disse que se “não for acautelado” o pilar da sustentabilidade social dos 19.633 agricultores que diariamente trabalham as vinhas, “dificilmente” se continuará a ter ADV, zona tampão ou RDD. Em 2019, o negócio do vinho representou 570 milhões de euros no Douro, tendo-se registado uma quebra de cerca de 50 milhões de euros em 2020 e uma “recuperação em 2021 em relação a 2019”. “Nós estamos a vender mais e a vender mais caro, estamos a ter mais valor, mas é preciso que esse valor que estamos a colocar nas nossas garrafas, nas nossas exportações, chegue também aos agricultores”, frisou.

Na mesma altura, também o presidente da Câmara de Peso da Régua, José Manuel Gonçalves, disse que é preciso ter em “atenção as pessoas”, a sua sustentabilidade e a sua fixação no território. “Se não houver pessoas não há território e não há paisagem protegida. Este é o nosso maior desafio”, frisou. Nos últimos 20 anos, o Douro perdeu mais de 30 mil habitantes, registando atualmente cerca de 190 mil habitantes, dos quais um quarto com idade superior a 65 anos.

Também o Jornal Público, sob o título “Douro Património da Humanidade 20 anos depois”, https://www.publico.pt/2021/12/13/culturaipsilon/noticia/douro-patrimonio-humanidade-20-anos-inscricao-unesco-nao-estara-risco-icomos-queixase-falta-transparencia-1988188, retiramos um outro depoimento:

Respondendo ao PÚBLICO por email, Soraya M. Genin, presidente do ICOMOS-Portugal, traça um quadro negativo no balanço que faz sobre estas duas décadas de inscrição patrimonial do ADV, afirmando “A redução da população é objectivamente o maior risco que ameaça o ADV, pois é acompanhada pelo abandono de unidades habitacionais que, inevitavelmente, serão ruínas num futuro próximo, reflectindo-se ainda na carência de mão-de-obra, a qual será necessariamente compensada com mão-de-obra temporária”.

Ainda o Jornal de Notícias, sob o título “A região-cidade do Alto Douro Vinhateiro”, https://www.jn.pt/opiniao/convidados/a-regiao-cidade-do-alto-douro-vinhateiro-14403207.html, publicou mais uma opinião. Esta, de António Covas, professor Catedrático da Universidade do Algarve: “Se não existir no Alto Douro Vinhateiro uma autoridade política – a comunidade intermunicipal ou a região-cidade – que imponha novas regras de comportamento e regulação, a economia do Alto Douro Vinhateiro ficará nas mãos dos fundos de investimento, das plataformas tecnológicas, das agências imobiliárias e das agências temporárias de emprego, cada um a seu modo os novos agentes principais das cadeias de valor do nosso tempo. A extra territorialidade do Alto Douro Vinhateiro será uma realidade, cada vez mais longe das suas origens”.

Por fim, também o Jornal Expresso não deixa de noticiar o tema e sob o título “Vinho do Porto. Mesmo a perder €3 milhões por ano, sector brinda à “trajetória certa”, https://expresso.pt/economia/2021-12-13-Vinho-do-Porto.-Mesmo-a-perder-3-milhoes-por-ano-sector-brinda-a-trajetoria-certa-e6f94efc, refere “2021 está a ser um ano positivo, com um crescimento acentuado relativamente a 2020 e até com um saldo ligeiramente favorável na comparação com 2019 e com as vendas no período pré-pandemia”, sublinha Isabel Marrana, diretora executiva da AEVP – Associação das Empresas de Vinho do Porto, na análise dos números do sector em cima da comemoração dos 20 anos da classificação do Alto Douro Vinhateiro como Património Mundial pela UNESCO (14 de dezembro de 2001). Numa análise crítica do quadro atual, Isabel Marrana aponta o dedo “ao imobilismo do poder político, em contraste com o esforço da região para ganhar rentabilidade, modernizar-se, atrair investimento nacional e estrangeiro”. E se o problema do esvaziamento do interior e do envelhecimento da população atravessa o país, Isabel Marrana acredita ser possível encontrar respostas, desde logo com a proposta que a AEVP já apresentou ao governo para reformular as regras relativas ao Rendimento Social de Inserção: “Quem tem RSI, perde-o se trabalhar um ou dos meses nas vindimas, que são um trabalho sazonal. O que nós propomos é simplesmente a suspensão do RSI quando as pessoas trabalham, de forma a poderem recuperá-lo automaticamente no final desse período. A região ganhava mão de obra, a Segurança Social reduzia a despesa e todos ganhavam. Parece simples e prático, mas não é. Não é porque o Estado é demasiado rígido”, conclui.

Em resumo, todos estes depoimentos sustentam, em comum com a excepção de António Covas, que a Região Demarcada do Douro vem assistindo a uma significativa redução da sua população; em 20 anos, teria perdido 30.000 cidadãos, qualquer coisa como 15% da sua população, e 25% dos que não partiram têm, actualmente, mais de 65 anos de idade, segundo José Manuel Gonçalves.

Evidentemente que a redução da população duriense tem, pelo menos, uma causa e esta terá resultado, directa ou indirectamente, do baixo e insuficiente preço pago pelas uvas aí produzidas. As formulações são diferentes – “políticas redistributivas pela cadeia do valor”, nas palavras de João Rebelo, “pagando melhor a qualidade da uva que os pequenos viticultores entregam”, segundo Laura Regueiro, “uma melhor repartição da riqueza”, segundo Fernando Bianchi de Aguiar, “… mas é preciso que esse valor que estamos a colocar nas nossas garrafas, nas nossas exportações, chegue também aos agricultores”, segundo Gilberto Igrejas e “… é preciso ter em “atenção as pessoas”, a sua sustentabilidade”, nas palavras de José Manuel Gonçalves – mas o sentido é comum: a receita obtida com a venda da produção vínica regional é insuficiente para suportar os seus custos de produção!

Também foi referida como causa, no depoimento de Fernando Bianchi de Aguiar, a redução da comercialização de Vinho do Porto.

Neste prisma, podemos concluir, com estes cinco depoimentos, que a emigração dos durienses resulta da inexistência objectiva de condições de sobrevivência para a sua população.

Já Soraya M. Genin e António Covas, não se referindo a causas mas indo directos às consequências, advertem, respectivamente, que “a redução da população é objectivamente o maior risco que ameaça o ADV” (Alto Douro Vinhateiro) e que “a economia do Alto Douro Vinhateiro ficará nas mãos dos fundos de investimento, das plataformas tecnológicas, das agências imobiliárias e das agências temporárias de emprego”.

No respeita a soluções, que possam alterar esta hemorragia da população duriense, existem três vertentes que, nalguns depoimentos, se complementam: reduzir os custos de produção e/ou incrementar o valor da produção regional e/ou incrementar o valor da comercialização.

Na óptica da redução / manutenção dos custos de produção, o depoimento mais concreto é, sem dúvida, o de Isabel Marrana: importar mão-de-obra. Se bem que, como quadro duma associação de comerciantes, se compreenda a sua motivação, também demonstra uma insensibilidade completa quanto às condições socioeconómicas da população duriense, assim como o seu desinteresse pela economia regional; com efeito, bem sabendo que o comércio adquire a produção dos viticultores abaixo do seu custo de produção, não demonstra a mínima preocupação em encontrar, e propor, soluções que alterem esta situação.

De todos os depoimentos o mais abrangente e teórico é sem dúvida o de João Rebelo.

Por um lado, propõe importar mão-de-obra (“uma política concertada de imigração”) e, sem especificar quais, também entende que deveriam ser tomadas “políticas demográficas que retenham população em idade ativa”, sendo que, em ambas as propostas, não garante que sejam verdadeiramente soluções, uma vez que “o custo da mão de obra tem um cada vez maior peso nos custos de produção e com as últimas subidas dificilmente as explorações são rentáveis”.

Por outro lado, também entende, sem especificar como, a necessidade de “criação e distribuição de valor, e que isso implica vender os vinhos a um preço muito superior ao que vende atualmente, e políticas redistributivas pela cadeia do valor”.

Para Laura Regueiro é necessário saber criar valor (“valorização do produto”), já para Fernando Bianchi de Aguiar e Gilberto Igrejas defendem uma mais justa repartição das receitas obtidas (respectivamente, “uma melhor repartição da riqueza”, “Nós estamos a vender mais e a vender mais caro, estamos a ter mais valor, mas é preciso que esse valor que estamos a colocar nas nossas garrafas, nas nossas exportações, chegue também aos agricultores”).

Duma forma muito genérica, José Manuel Gonçalves sustenta “que é preciso ter em atenção as pessoas, a sua sustentabilidade e a sua fixação no território”.

Por fim António Covas, demonstrando espirito regionalista, vem sustentar a necessidade da criação duma autoridade regional: “Se não existir no Alto Douro Vinhateiro uma autoridade política – a comunidade intermunicipal ou a região-cidade – que imponha novas regras de comportamento e regulação” (sublinhado nosso).

Em resumo, não encontramos em nenhum dos depoimentos recolhidos qualquer solução concreta. Quando muito … poderemos falar em pistas, caminhos possíveis a trilhar, experiências novas … mas mais nada! O que é lamentável visto que, entre os depoentes, encontram-se dois Presidentes do Instituto de Vinhos do Douro e Porto, um dos quais ainda em funções.

Não sabemos quais os motivos que condicionam a formulação de propostas concretas por parte dos depoentes, mas sabemos (e eles também) que:

        - a Região Demarcada do Douro produz, em média anual, 230 mil pipas de vinhos;
        - a Região Demarcada do Douro comercializa, em média anual, 400 mil pipas de vinho; e
        - a Região Demarcada do Douro não tem escoamento comercial, em média anual, para 50 mil pipas da sua própria produção.

Será que estes números não fazem soar campainhas na cabeça de ninguém? Ou será, à maneira africana (continente que nos é tão próximo), um premeditado mumbo-jumbo?

Arlindo Castro
14 de Dezembro de 2021

P.S.:

Também a RTP entendeu associar-se a estas comemorações e, entre outros temas, abordar a questão da desertificação social do Douro.

Lapidarmente, Paul Symington pegou o “touro pelos cornos” e, duma forma directa e precisa, sustentou que, como os viticultores durienses não conseguem vender a sua produção a preço compensador, têm obrigatoriamente que emigrar; não especificando exactamente como, referiu ainda que a regulamentação do sector está historicamente ultrapassadíssima.

Olga Martins, corroborando a causa da emigração dos durienses de Charles Symington, sustentou a necessidade de alteração da regulamentação, à semelhança do que acontece com o Vinho do Porto, por fixação de quotas para a produção dos DOC Douro. Esta solução faria desaparecer do mercado, como actualmente acontece, os DOC’s de baixo preço, os quais, para além do mais, muito dificultam justificar aos consumidores os preços de venda, comparativamente elevados, destes vinhos.

Já para Manuel Carvalho, que considera existir vinha a mais no Douro, a solução passa pelo seu arranque.

O conjunto destes três convidados da RTP aponta convenientemente a responsabilidade da má situação socioeconómica do Douro à falta de políticas condizentes com a realidade actual do Douro.

Como é possível atirar responsabilidades a terceiros se nem os próprios, os verdadeiramente interessados na questão, conseguem apresentar soluções que globalmente resolvam o problema?

Com efeito, não é a fixação de quotas para os DOC nem o arranque da vinha que irão obstar a emigração dos durienses.

Assim sendo, aí vai mais um MUMBO-JUMBO!

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